terça-feira, 29 de setembro de 2015

O LIVRO DE ORIKIS DE CLAUDIO DANIEL É PUBLICADO PELA EDITORA PATUÁ




 















Oriki é o poema ritual da tradição iorubá, cantado até hoje nos terreiros de umbanda e candomblé, celebrando deuses, reis e herois lendários. Quem introduziu o oriki no Brasil foram os negros africanos, escravizados no período colonial-monárquico, que conservaram as suas tradições religiosas sob o aparente sincretismo com o culto aos santos da devoção cristã. As primeiras traduções desses textos orais para o idioma português em forma poética foram realizadas por Antonio Risério em seu belíssimo livro Oriki orixá, publicado pela editora Perspectiva na coleção Signos, dirigida por Haroldo de Campos. Nesse livro, Risério apresenta aos leitores excelentes ensaios críticos e traduções de alguns desses poemas cantados. Ricardo Aleixo publicou orikis de sua autoria no livro A roda do mundo. Ricardo Corona, Fabiano Calixto e Frederico Barbosa também escreveram bons orikis. Claudio Daniel, em seu Livro de orikis, procura manter elementos do oriki tradicional -- os nomes e epítetos dos orixás, seus mitos, atribuições e atributos, com uma visada crítica contemporânea, incorporando temas da situação política e social do país. Todos os poemas que compõem o livro foram escritos entre fevereiro e março de 2015, com exceção do Oriki de Orunmilá, redigido em 2006. As linhas apresentadas em itálico no interior dos poemas são citações de “pontos” cantados nos rituais em diversos terreiros no Brasil e os textos são apresentados conforme a ordem do xiré cantado no candomblé (foi adotada a sequência estabelecida por Pierre Verger no livro Os orixás, com poucas variações). A seleção de 18 orixás homenageados no livro incorporou divindades cultuadas nas tradições ketu, bantu e jejê. No final do volume, é apresentado um glossário com as palavras em iorubá que aparecem nos poemas. Quem quiser adquirir o livro pode solicitá-lo ao editor Eduardo Lacerda pelo e-mail editorapatua@gmail.com

Leia abaixo alguns poemas do livro:
 

EXU

Lagunã corrige o corcunda.
Faz crescer a lepra do leproso.
Põe pimenta no cu do curioso.

Legbá ensina cobra a cantar.
Entorta aquilo que é reto,
endireita aquilo que é curvo.

Exu Melekê — o desordeiro
faz a noite virar dia e o dia
virar noite. Surra com açoite

o colunista da revista. Cega
o olho grande do tucano —
e zomba do piolho caolho.

Marabô vai-vem-revém.
Quente é a aguardente
do delinquente. Elegbará

com seu porrete potente
quebra todos os dentes
do entreguista privatista.

Bará tem falo de elefante.
É o farsante dos farsantes:
fode a mulher do deputado

hoje – e faz o filho ontem.
Agbô confunde o viajante
e o faz perder a sua rota.

Bará Melekê compra azeite
no mercado — levando peneira
volta sem derramar uma gota.

Larôye Exu! O desalmado
soma pedras e perdas na sina
do condenado. Sete Caveiras:

que seja suave minha sina
neste mundo tão contrariado.
Que seja suave – Larôye Exu!
 

OGUM

Ogum Oniré
pisca o olho
e cai um dedo
do mentiroso.
Pesca o peixe
sem ir ao rio.
Molamolá
— farejador
de farelos —
livra seus filhos
do abismo.
Ogum Ondó
viajou a Ará
e a incendiou.
Viajou a Irê
e a demoliu.
Senhor de Ifé,
livra seus filhos
do abismo.
Ogundelê
malha o ferro
e faz flechas
de flagelo.
Comedor de cães
fulmina o racista.
Ogum Megê
queima o sangue
do fascista.
Megegê
golpeia o golpista
da revista.
Ferreiro-ferrador
forja a foice
forja o martelo.
Que não falte
o inhame.
Que não falte
massa de pão.
Pai do meu avô,
livra seus filhos
do abismo.

Ògún ieé!


 OXOSSI

Akueran feiticeiro
sabe folha
que mata.

Akueran feiticeiro
sabe folha
que cura.

Akueran feiticeiro
fere o olho
do sol.

Akueran feiticeiro
mata a morte
de medo.

Akueran feiticeiro
faz janeiro
virar outubro.

Akueran feiticeiro
faz amarelo
virar vermelho.

Akueran feiticeiro
encanta a lua
com sua beleza.

Akueran feiticeiro
apavora a terra
com sua força.

Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da fome.

Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da usura.

Òké Aro! Arolé!

 
XANGÔ

Xangô Oluaxô —
o raio rubro
rasga o céu.
Obakossô
faz o forte fugir
de medo.
Alafim de Oió
não lute comigo.
Alafim de Oió
seja meu abrigo.
Oba Arainã
fala com boca
Oba Arainã
fala com olhos
Oba Arainã
fala com pele
Oba Arainã
fala com raio.
Leopardo de Oiá
não lute comigo.
Leopardo de Oiá
seja meu abrigo.
Aganju
olho-de-chispa
mata o que mente
com pedras de raio.
Mastiga os juízes.
Castiga a mídia.
Oba Lubê
não lute comigo.
Oba Lubê
seja meu abrigo.
Oba Orungá dança alujá
queima a xota
da dondoca.
Oba Orungá dança alujá
queima o falo
do Bolsonaro.
Oba Orungá dança alujá
e saúda a beleza
que há no mundo.
Oba Orungá dança alujá
e saúda a beleza
que há no mundo.

Kawó Kabiesilé!

 
LOGUNEDÉ

Dedicado a Gilberto Gil

Logunedé
leopardo-menino-
aquele-que-nasceu-
numa-pétala-
de-flor-
Logunedé
leopardo-menino-
beleza-preta-
senhor-de-toda-
a-beleza-
Logunedé
leopardo-menino-
filho-d’Oxum-
pesca-nas-águas-
d’Oxum-
Logunedé
leopardo-menino-
filho d’Oxóssi-
caça-nas matas-
d’Oxossi-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-todos-os
feitiços-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-feitiço-
que-mata-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-fetiço-
que-cura-
Logunedé
leopardo-menino-
o-que-foi-mudado-
em-cavalo-
marinho-
Logunedé
leopardo-menino-
muda-de-forma
em-todas-as-
formas-
Logunedé
leopardo-menino-
vira-lua-pavão-
e-água-do-rio-
Logunedé
leopardo-menino-
vira-onça-
poesia-estrela-
tempestade-
Logunedé
leopardo-menino-
senhor-de-todas-
as-surpesas-
Logunedé
leopardo-menino-
faz-o-baobá-
virar-formiga-
e-a-formiga-
virar-centelha-
Logunedé
leopardo-menino-
o-que-veste-saia-
no-palácio-
d’Oxum-
Logunedé
leopardo-menino-
castra-aquele-
que-estupra-
Logunedé
leopardo-menino-
protege-as-suas-
três-muitas-
rainhas-
Logunedé
leopardo-menino-
protege-todas-
as moças-
todas-as-moças-
são-rainhas-
Alaketo-ê
Ala Ni Mala
Ala Ni Mala
okê

Eru wawá!



OBÁ

Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Oyá
venceu
Oyá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Exu
venceu
Exu.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Oxalá
venceu
Oxalá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
cortou
a orelha
por intriga
d’Oxum.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
cortou
a orelha
por amor
de Oba-
Orungá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
protege
aquele
que ama.
Obá Obá
protege
aquele
que luta.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.

Obà Siré!


OXALÁ

Oxalufon —
aquele-que-caminha-
na-areia-
mestre dos corcundas
Obatalá —
aquele-que-come-
caracol-
forte como touro branco
Onírinjà —
aquele-que-nunca-
se-esquece-
faz o mentiroso
ficar surdo.
Ọbaníjìta —
aquele-que-nunca-
se-esquece-
faz o mentiroso
ficar mudo.
Olufón —
aquele-que-grita-
quando-acorda-
livra a filha
da armadilha.
Òòsàálá —
aquele-que-come-
rato-e-peixe
faz a moça estéril
embarrigar.
Olúorogbo —
aquele-que-fulmina-
fascista-
faz tucano virar
farelo.  
Orixanlá —
aquele-que-se-veste-
de-branco
aquele-que-canta-
vestido-de branco
aquele-que-dança-
vestido-de-branco
aquele-que-é-dono-
da-xota-de-Iemanjá
— Òrìşáko!

Epa Bàbá!

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