sábado, 9 de maio de 2015

UM POEMA DE JONATAS ONOFRE


O vento só aparece no escuro, uma voz disse.
Deves esconder teus dentes
naquilo que ainda
não perdeste
antes que o medo
o faça
deves morder sem pressa,
sem presságios,
e esquecer a língua no
improvável céu de outras
bocas,
deves abrir todas essas bocas
com alguma faca,
ou hinários, ou manuais
obscenos,
mas nunca se dar ao trabalho
de limpar o sangue
deves esperar que coagule,
procurar respingos nas pedras
e nos abrigos
onde os cães e as mães
ressonam,
por toda a eternidade
das calçadas
procurar os respingos,
e deves achar, se tiveres sorte,
um principio de fome,
que nem perceberás como fome,
e que não será só
fome,
mas uma vontade que ainda
não se nomeou,
desconhecendo-se por completo
o lado em que dorme numa
possível vastidão de
dicionários
e deves acreditar em mim,
deves seguir mordendo, e procurando,
e andando em círculos,
uma, duas, sete vidas
de vitrine em vitrine,
sem perguntas, preocupando-se
apenas em fabricar os círculos
cada vez mais
abertos,
entre os dedos dos pés
deves ser ínfimo antes de
cínico ,
e não deves andar tão abraçado
com pequenos fracassos,
mas nunca será
demais
tropeçar a cada esquina
e sorrir
ao partir a primeira perna,
ao perder uma mísera
clavícula,
pois bem-
aventurado
és, como uma libélula
no nariz de uma rã,
e tolo como um profeta
degolando leões cegos,
há uma morte súbita
e um doce esquecimento
ao lado do único
poema
que te permitirão
escrever,
então sufoque o desejo
de ver o vento,
quando fizer escuro
suficiente,
não haverá olho,
os poucos dentes estarão
perdidos
onde os escondeste,
terás
apenas a sombra de uma
boca,
latejando num quarto,
e ventiladores
no teto
para te atormentar,
sempre
que lembrares o que
uma voz disse.

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