domingo, 12 de abril de 2015

CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS (IV)








Aos 28 anos de idade, assisti a mudanças políticas que criaram uma nova situação no Brasil e no campo internacional. Nas eleições de 1989, a candidatura de Lula a presidente da república pela Frente Brasil Popular (PT-PCdoB-PSB-PCB), com um programa abertamente de esquerda, é derrotada nas urnas pelo candidato da direita, Fernando Collor de Mello, após intensa campanha midiática que culpava o PT pelo sequestro do empresário Abílio Diniz. A Rede Goebbels editou o debate entre Lula e Collor, para favorecer este último, e todos os jornais diários alinharam-se explicitamente em favor do candidato dos ricos. Foi um grande revés para os movimentos sociais, agravado pela derrota dos sandinistas na Nicarágua (após dez anos de bloqueio econômico e intervenção militar indireta dos Estados Unidos, que apoiavam os contrarrevolucionários), pela queda do Muro de Berlim e posterior desaparecimento do campo socialista na Europa Oriental. Esta derrota histórica colocou a esquerda numa situação de defensiva estratégica, que permanece até os dias de hoje (apesar da vitória de candidatos progressistas na América Latina e da formação dos BRICs: o imperialismo ainda mantém a supremacia militar, promove golpes de estado, intervenções armadas, impõe sanções contra a Rússia e trava uma luta discreta contra a China).

Em 1990, fui demitido, juntamente com toda a equipe de redação, da empresa onde trabalhava – a Editora Universo, que fazia parte do Grupo Abril, e com a indenização resolvi sair da casa de meus pais e morar sozinho, em um apartamento no bairro do Bexiga. Viajei até o Espírito Santo, onde passei uma semana no mosteiro zen-budista em Morro da Vargem, onde pratiquei meditação e estudei haicai. De volta a São Paulo, convencido de que não tinha vocação para ser monge, fui trabalhar, como revisor free-lancer, na VEJA (!!!) e no antigo jornal Diário Popular, onde conheci Regina, com quem casei poucos meses depois, e que foi minha companheira por duas décadas.  Nessa época, praticava Tai Chi Chuan, fazia terapia lacaniana e dediquei-me à leitura intensa de poetas que falavam mais à minha sensibilidade e inclinação estética: João Cabral de Melo Neto, Haroldo de Campos, Rimbaud, Mallarmé, Blake, Bashô, Pound, Cummings, Maiakovski, Khlébnikov. Estudava também várias filosofias místicas do Oriente – além do zen-budismo, o vedanta indiano, o taoísmo, o sufismo.

O resultado desse caldo de desencantamento político, mudanças na vida pessoal, luta pela sobrevivência, leituras e estudo de poetas e místicos foi o meu primeiro livro de poesia, Sutra, em 1992, que custeei por conta própria. O livro passou despercebido, não recebeu nenhuma resenha ou nota nos jornais, mas foi bem recebido por alguns poetas, como José Paulo Paes, Claudio Willer, Augusto de Campos. Relendo este livro hoje, não me reconheço nos temas, mas na linguagem: acredito que toda a minha poesia posterior seja consequência das experiências com a palavra que realizei nesse primeiro caderno de estudos poéticos.

O meu desencanto com a política foi longo, motivado, possivelmente, pela ausência de uma interpretação marxista aprofundada, naquela época, sobre o que estava acontecendo no mundo: os trotsquistas saudavam o fim da URSS como sendo a tão propalada “revolução política” defendida pela IV Internacional, que destruiria a “burocracia stalinista” para fazer avançar a “revolução proletária mundial”, bobagem ideológica que logo revelou ser o que realmente era: verniz “ultra-esquerdista” para encobrir o compromisso de tais organizações com a reação e com o imperialismo (vale a pena recordar o recente apoio de Luciana Genro ao golpe de estado pró-nazista na Ucrânia, com as mesmas palavras e argumentos com que os trotsquistas saudaram o fim do campo socialista na Europa Oriental). Outros setores, como boa parte do antigo PCB, então liderado por Roberto Freire, resolveram adotar o discurso ideológico do “fim da história”, aceitaram a hegemonia do neoliberalismo e da democracia burguesa e mudaram o nome do partido para PPS, hoje fiel escudeiro do PSDB no Congresso Nacional. O PT saiu enfraquecido e amargou divisões e derrotas até a vitória de Lula, em 2002, que inaugurou um novo ciclo político no país, que trouxe diversas conquistas importantes para os trabalhadores, mas com desdobramentos ainda incertos.

No período entre 1990-2007, privilegiei a vida familiar – meu filho, Iúri, nasceu em 2000 –, a atividade profissional e o trabalho com a poesia (que comentarei em outra confissão), afastado de qualquer atividade militante. Foi um período de grandes dúvidas, incertezas e confusão pessoal, que seria depois superado por uma reconciliação com os meus ideais de juventude e o posterior ingresso no Partido Comunista do Brasil, motivo de imenso orgulho para mim.

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