sábado, 19 de outubro de 2013

POEMAS DE VASKO POPA


PATO

Arrasta-se pela poeira
Em que os peixes não riem
Carrega em seus flancos
Inquietude-águas

Desajeitado
Devagar
Arrasta-se
O caniço pensante
Há de alcançá-lo
Mesmo

Nunca
Nunca ousará
Caminhar
Assim como ousou
Arar espelhos


DENTE-DE-LEÃO

Na beira do passeio
No fim do mundo
Olho amarelo da solidão

Cegos pés
Apertam-lhe o pescoço
No abdômen da pedra

Cotovelos subterrâneos
Empurraram suas raízes
Para o húmus do céu

Pata canina ereta
Faz-lhe troça
Com o aguaceiro recozido

Contenta-o apenas
O olhar sem dono do passante
Que em sua coroa
Pernoita

E assim
A ponta de cigarro vai queimando
No lábio inferior da impotência
No fim do mundo


QUARTZO

Para Dúshan Ráditch

Sem cabeças sem membros
Aparece
Com o emocionado pulso das ocasiões
Move-se
Com o passo atrevido dos tempos
Tudo cinge
Em seu terrível
Interno abraço

Tronco liso branco exato
Sorri com a sobrancelha da lua


NO GRITO

A labareda se ergue alto
De dentro do rombo na carne

Sob a terra
Impotente bater de asas
E cego arranhar de patas

Nada sobre a terra

Sob as nuvens
Tênues lâmpadas de brânquia
E inarticulado apelo de algas


Tradução: Aleksander Jovanovic


(Do livro Osso a osso. São Paulo: Perspectiva, 1989)

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