quarta-feira, 23 de outubro de 2013

POEMAS DE MARIA-MERCÈ MARÇAL


Tato de noite escancarada.
Ofereço-nos ao esquecimento
assim, indiscerníveis.
Para que os olhos, agora ausentes,
não possam retornar-nos
os limites, de ricochete,
da aurora.


* * *

A minha sede é um espelho obscuro
e fechado onde se mira, aberta, tua água...
Porque não eludias o luto voraz e o gelo,
somos duas noites a contradizer a noite.


* * *

Construir, sangue a sangue, este amor
fazendo e desfazendo, e refazendo o tecido,
como uma fiandeira insone
e desajeitada que tenta, às cegas,
caminhos de mãos incertas, mar aberto,
mas sem o segredo, sem a chave.


* * *

E em ti escolho o meu excesso.
Este era o sinal e a palavra,
salvo-conduto vivo para meu sangue.
Entre, então, já, hóspede do meu desejo.
Em ti, por ti, sou eu que me possuo,
triunfante no teu excesso.


* * *

No cerco obscuro de umas asas gigantes
que se dobram sobre mim e me dão abrigo,
a sombra me tem toda. Não me valem as palavras.
Tua cinza me enterra em velha brasa.
Tua língua me crava no silêncio.

  
* * *

Te amo com meu corpo
exilado e mudo.
Por quais perdidos caminhos
o retorno, a palavra?


Este amor, difícil
repto das fronteiras
que o gelo petrificava:
contrabando de luz


Traduções: Ronald Polito

(Poemas da plaquete DESGLAÇ / DEGELO. Fuchu-shi – Tokyo-to:Edições do Outro Mundo, 2004) 


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