quinta-feira, 9 de agosto de 2012

FIGURAS METÁLICAS




A convite de Haroldo de Campos, publiquei uma antologia de minha obra poética para a coleção Signos, que o poeta dirigia para a Editora Perspectiva: Figuras Poéticas -- Travessia Poética (1983-2003), que contou com texto de apresentação do crítico literário João Alexandre Barbosa, que reproduzo abaixo:

"Escrevendo sobre Mallarmé, Valéry levanta uma questão de interesse para qualquer aproximação à criação poética: a relação entre esta criação e as origens mais remotas das funções da linguagem humana.

É que a poesia, diz ele, vincula-se, sem nenhuma dúvida, a algum estado dos homens anterior à escritura e à crítica. Encontro, pois, um homem muito antigo em todo poeta verdadeiro: ele bebe ainda nas fontes da linguagem; ele inventa "versos", um pouco como os primitivos melhor dotados deviam criar "palavras", ou ancestrais de palavras.

Em todo o poema bem realizado, o leitor há de sentir a palavra como se ela surgisse para uma nomeação originária, transformando o que se nomeia em algo novo por força da própria nomeação, conferindo ao poeta características de um oficiante de ritual em que dominassem os poderes da memória (pela recuperação das fontes da linguagem) e da magia - pela criação de uma nova realidade que é a poética.

Daí a importância das materialidades sonora e visual que, somente depois de organizadas num estrutura passada pelos rigores da sintaxe e da semântica, impõem um outro tipo de racionalidade que é o poema. É a qualidade encantatória da poesia que faz pensar no poeta como herdeiro daqueles primeiros homens que inventavam palavras para a nomeação espantada do mundo.

Creio que a poética desta antologia de Claudio Daniel, vinte anos de uma travessia, tem como dominante aquela qualidade. O que significa dizer que o leitor, lendo este livro, é convidado a se deixar envolver por tudo o que é reverberação de som e imagem, abdicando da objetividade e mergulhando no tumulto das sensações gravadas na pele das palavras.

Em todos os poemas, extraídos de três livros publicados entre 1992 e 2001 (Sutra, Yumê e A sombra do Leopardo) e do inédito Pequenas aniquilações, passa uma inquietação que, sendo o registro daquele jogo de encantamento referido, mantém os textos nos tensos limites do indizível.

Por onde são convocados todos os valores sensíveis da linguagem mas, atenção! sob o controle estrito de uma consciência acesa pelos valores da história, seja a circunstancial, seja a da própria linguagem da poesia.

Daí ser possível, sobretudo nos primeiros textos, realizar os entrecruzamentos de culturas pela utilização literal de trechos de obras orientais.

É, mais uma vez, a lição que se pode extrair do trabalho verdadeiro com a criação: o encanto da poesia, como queria Valéry ao chamar de Charmes o seu grande livro de 1922, e como está neste livro, é sempre dependente do trabalho com que se enfrenta o próprio enigma da invenção."

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