quarta-feira, 1 de agosto de 2012

CANTINHO DE CRÍTICA


“Prova da centralidade da poesia concreta na história recente da literatura brasileira é o fato de tantos autores diferentes entre si terem em algum momento compartilhado afinidades com seus valores estéticos. Itens ‘programáticos’ do movimento como dissolução do verso, espacialidade e concepção do poema como montagem são perceptíveis no antilirismo irônico de Nelson Ascher ou na poesia metalingüística de Júlio Castañon Guimarães e Duda Machado – autores que forjaram, cada um, sua poética própria, mas de alguma forma devedora das fórmulas concretistas. Em Bonvicino, ao contrário, a condição de epígono dos concretos se torna mais evidente. Depois de cortejar o anarquismo contracultural de Paulo Leminski (1944-1989), esse poeta que alterna atividades literárias com uma carreira de magistrado produziu livros em que a sintaxe alinhava imagens descontínuas – como no ‘Quarto Poema (Canalha Densamente Canina)’, onde aparece o título de Remorso do Cosmo (de Ter Vindo ao Sol). Aqui, o ‘cosmos’ está reduzido a representações florais em que ‘calêndulas sem janeiro’ e o ‘crisântemo sem pânico’ (referência ao Crisantempo de Haroldo de Campos?) compõe surtos de um ‘idioma de medos’. (...) Poeta de preocupações cívicas, Bonvicino também procura dar concreção poética à agenda do mundo globalizado. O resultado é um poema como ‘Sem Título (4) (Fanti-Axanti)’, que coloca em linha reta notícias de jornal sobre devastação ecológica, guerra do narcotráfico, assassinato de um militante antiglobalização em Gênova – enfim, uma sequência de signos bombardeando a sensibilidade de um sujeito paranóico, acuado pelo pânico – e que, ao tentar ultrapassar os limites de seu solipsismo, de seu isolamento poético e pessoal, responde aos estímulos do mundo numa língua desconexa.” (Manuel da Costa Pinto, na Antologia Comentada da Poesia Brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006, pp. 85-87)

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