quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

BAIANOS NA LUTA: ECONOMIA E REALIDADE CUBANA


Médicos brasileiros que estagiaram em Cuba publicam documento relatando a qualidade da saúde, educação e segurança pública no país. Eles integram o movimento "baianos na luta". Veja o texto a seguir, na íntegra:

O sistema organizacional da sociedade cubana garante com excelente qualidade 3 serviços públicos essenciais: saúde, educação e segurança pública. A saúde é acessível a todos, desde os consultórios médicos de família bem próximos até os serviços de excelência do nível terciário. É possível estudar gratuitamente desde os níveis mais básicos até a universidade, mestrados e doutorados com muita qualidade. E mesclando atividades preventivas e um bom policiamento - além da cultura de zelo pelo bem público - quase não se vê sinais de violência, mesmo durante a noite.

Cuba possui uma economia baseada sobretudo na agricultura, herança do período colonial espanhol e americano, com produção importante de açúcar e fumo (matéria-prima dos charutos para exportação). Há ainda a exploração de níquel na parte montanhosa do país. No entanto, 80% dos cubanos vivem na zona urbana das grandes cidades como Havana, Santa Clara e Santiago de Cuba e não há grandes indústrias nestas localidades - com excessão das fábricas de medicamentos e de processamento de minérios.

A ocupação da mão-de-obra urbana gira, sobretudo, em torno dos serviços públicos (muitos médicos, muitos professores, muitos policiais, muitos trabalhadores da construção civil, etc.) e dos conta-propistas (motoristas de táxi, cozinheiras, músicos, etc.). Não existem impostos sobre circulação de mercadorias, renda ou imóveis(ISS, IPTU, imposto de renda...). A principal dificuldade é que, tendo uma área produtiva muito pequena e restrita a uma ilha, quase tudo tem que ser importado. Neste cenário se aplicam vários tipos de alimento (feijão, carne, sementes), roupas, combustíveis e equipamentos eletrônicos. Existe uma situação de iniquidade muito grande pois, apesar de outros países desejarem manter comércio com Cuba, o bloqueio econômico americano impede que outras economias que desembarquem seus navios em Cuba possam realizar comércio por um longo período com os EUA. Desta forma ocorre grande esvaziamento de alimentos e produtos industrializados no país.

Sem dispor de um parque industrial nacional, a maioria dos carros em circulação permanecem os mesmos do período de 1950-1960, com poucos ônibus e elevados preços para os produtos eletrônicos como televisores e geladeiras. A principal matriz energética do país é o petróleo, que move as termelétricas cubanas, mas que é muito escasso e é importado principalmente da Venezuela - que o fornece a baixos custos dentro da política de solidariedade da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), conquistando sua "independência energética" a partir de 2006. A saída econômica do país no período de grande recessão entre 1990-1994, conhecido como "período especial", foi a abertura de partes de seu território ao turismo, com permissão de exploração por cadeias hoteleiras internacionais para construção de grandes resorts. O turismo passou a ser a maior atividade econômica do país, que recebe anualmente mais turistas do que o Brasil, e que possibilitou a geração de divisas sem depender dos EUA. Além disso, os convênios com as brigadas de médicos internacionalistas tem permitido à Cuba trocar serviços de saúde por divisas, petróleo e produtos industrializados a baixo custo. Para manter a economia sem a dependência do Dólar americano, criou-se um sistema de 2 moedas - uma moeda nacional, o Peso Cubano, e uma moeda para o exterior, o Peso Convertido - CUC (que custa 25 pesos cubanos), evitando a saída de capitais do país e facilitando o comércio com o Euro.

O salário médio de um trabalhador cubano gira em torno de 300 pesos por mês. Podemos usar como exemplo de boas remunerações o salário de um Médico de Família com especialização em Medicina General y Integral (Medicina de Família e Comunidade), que corresponde a 570 pesos, e o de um Agente de Combate às Endemias que ganha cerca de 530 pesos mensais. Existe uma política de subsídio nacional, originado no período da Guerra Fria, chamada de Libreta que fornece a baixo custo uma espécie de "cesta básica" com alguns alimentos ao preço de 6 pesos por mês - comprados nas Bodegas que existem a cada 4 quadras. Na época em que foi concebida, Cuba gozava de grande financiamento soviético e podia fornecer uma Libreta completa, com carne, frango, ovos, macarrão, dentre outros, e que tinha como meta abastecer todo cidadão cubano durante 1 mês.

Em 2011, com o fim do bloco soviético e com uma crise econômica arrastada de longas datas, a Libreta foi sendo enxugada ao ponto de hoje fornecer apenas 2kg de arroz, 1kg de açúcar, 250mL de óleo, 1 pacote pequeno de feijão, 1 pacote de café e 10 pães, que na prática sustentam o cubano durante 7 dias de forma incompleta. Com muito menor frequência, fornecem-se ovos, 500g de frango e raramente um pouco de carne. São constantes os desvios de quantidades desses produtos (eram pra vir 2Kg de arroz, acaba vindo 1,5Kg...) e roubos de produtos(nesse mês não vieram ovos e só vieram 7 pães...). Os roubos de Libretas e assaltos aos portos tem viabilizado um mercado negro que permite a venda de mercadorias em algumas ruas a preços abaixo dos encontrados nos mercados centrais e Bodegas. Fora dos 6 pesos da Libreta básica, qualquer outro produto é comprado em preço normal em qualquer mercado. No entanto, alimentos essenciais são muito caros, 1Kg de arroz custa 20 pesos, 500g de café custam quase 30 pesos e 500g de feijão custam 15 pesos. A soma desses produtos no espaço de 1 mês esgota qualquer salário. É como se meio quilo de feijão custasse 150 reais no Brasil, junto com 200 reais por um quilo de arroz. Para evitar essas distorções, o governo fornece um pouco mais de carne para a Libreta das gestantes e leite para as crianças recém-nascidas, mas que também não duram muitos dias.

Produtos industrializados são os mais caros. Uma camisa custa 12CUC (300 pesos), uma gravata custa 23CUC (650 pesos) e os materiais de limpeza, sabonetes, shampoo, são todos importados e comprados em CUC. Uma televisão custa em média 150CUC. Ou seja, partindo do salário de um Médico de Família, pouco se sobra ao fim do mês para lazer, cuidados pessoais e para sua própria alimentação. Segundo um trabalhador de Habana Vieja, não existe fome-fome-fome, mas existem falta de nutrientes mais elaborados como proteínas e vitaminas, o que tem levado a uma série de carências nutricionais patológicas. Como compensar um diabético se só há açúcar em sua Libreta? Como controlar o peso de uma gestante se ela não tem dinheiro pra comprar carne? Muitos adultos começam a adoecer por causa dessas carências.

A questão habitacional tem se tornado outro importante questionamento. Não existem corretoras de imóveis, vendas de grandes propriedades e o direito à moradia é uma premissa constitucional. A construção de blocos habitacionais de 5 andares se tornou importante estratégia durante o período de crescimento econômico cubano, realizando um grande processo de inclusão social. No entanto, desde 1990 a estagnação econômica do país impediu a expansão da política resultando em grande aglomeração de pessoas em um mesmo ambiente de morada. Na prática, convivem em média 3 gerações em cada casa - filhos, pais e avós - o que tem gerado grandes choques de gerações, com importantes conflitos familiares. Não existem recursos para reparo, conserto ou manutenção das casas - o próprio morador não tem recursos para bancar sua reforma por conta própria, pondo em risco milhares de imóveis. Existem algumas mudanças recentes sobre a política de venda e aluguel de imóveis, o que tem permitido troca de casas e um pequeno comércio entre vizinhos. Para piorar o quadro, Cuba se situa em uma rota geográfica de furacões, como o de 2008 que quase devastou o país, o que exige muitos e constantes recursos para reconstrução de suas estruturas.

Uma de nossas colegas de curso resumiu certa vez que em Cuba, primeiro se buscam satisfazer as necessidades mais básicas para daí em seguida irem todos juntos aos poucos garantindo as necessidades acessórias. Ao contrário do Brasil, em que se estimulam e satisfazem as necessidades mais supérfuas para depois, muito lentamente, se garantirem os direitos básicos (ex. nas casas brasileiras não há direito o que comer, o morador é semi-analfabeto, mas tem no meio da sala uma enorme TV de LCD). E desta forma Cuba tem aplicado seus recursos em setores estratégicos, ainda que em prejuízo severo das outras áreas estruturais. As pessoas literalmente deixam de comer carne pra garantir a vacinação e o ensino completo de seus filhos e deixam de comer frango para ter um médico do lado de sua casa.

Em suma, Cuba é um país muito pobre economicamente, que importa boa parte dos alimentos que consome e do combustível que gera sua energia elétrica. Possui uma renda média muito baixa, que garante com muita dificuldade a manutenção de uma alimentação diversificada. Possui um sistema de transporte limitado, com poucos ônibus e carros dos anos 50, com grande de escassez de gasolina. Apresenta um déficit habitacional importante, obrigando muitas famílias a morarem aglomeradas em ambientes muito pequenos. E tudo isso possui uma raiz imperialista completamente desumana, ainda no século XXI, que é o Bloqueio Genocida americano: uma política de desestabilização econômica que impede o comércio de vários países com Cuba, restringindo a entrada dos recursos básicos ao seu sustento.

O grande mérito cubano tem sido enfrentar questões básicas, direitos essenciais, com o apoio mútuo de sua população, com planejamento e, sobretudo, com o socialismo. Todo esse processo com poucos recursos, com uma economia agrária em uma ilha e batalhando contra um gigante econômico que são os EUA. Na verdade, é o único país pobre do mundo que conseguiu oferecer a sua população todos esses benefícios. O futuro de Cuba depende da solidariedade internacional, ao exemplo do apoio venezuelano com a ALBA, do esvaziamento progressivo do Bloqueio americano e das pequenas flexibilizações financeiras no pequeno comércio, que tem permitido trocas básicas entre seus habitantes.

Como assegurar saúde, educação e segurança a todos sem indústrias e sem combustíveis? Precisamos de um formato que permita liberdades essenciais, com garantia de direitos humanos e aproveitando ao máximo as grandes riquezas de um país como o nosso.

Levemos a experiência ao Brasil!

Abraços cubanos!

Waldemir Albuquerque
USF de Coqueiros
Maragogipe-BA



Fonte: Portal Vermelho

Nenhum comentário:

Postar um comentário