segunda-feira, 27 de setembro de 2010

UM ENSAIO DE LEDA TENÓRIO DA MOTA

A ausência de Francis Ponge (1899-1988) no primeiro quadro de referências da crítica barthesiana é surpreendente para os estudiosos de Barthes e para os amantes do poeta. Isso vai além do tratamento dispensado a certos autores importantes ou importantíssimos _ como Raymond Queneau ou Céline _ , pelos quais ele passa rapidamente demais, mas passa.

De fato, Ponge inexiste para Barthes. Como explicá-lo se Barthes está extremamente atento ao que acontece em volta, tanto no terreno da crítica como no da literatura, quando sai O grau zero da escritura, e mais ainda quando sai sua primeira leva de Ensaios críticos? Oscar Wilde escreveu que cada uma das artes possui um crítico que lhe é, por assim dizer, destinado. Será que o gênero poesia não estava designado a Barthes? Michel Déguy é um dos que pensam assim. De seu lado, Barthes talvez lhe dissesse que a escritura não faz acepção de gênero, como o Neutro. Mas mais desconfortável ainda as coisas se tornam quando descobrimos que não se trata só do primeiro Barthes. Pois, se é verdade que encontramos menções ao poeta, aqui e ali, em suas milhares de páginas, é igualmente verdade que essas menções são tão simpáticas quanto expeditivas. O mentor da nouvelle critique­ _ é forçoso admitir _ passou ao largo de um dos mais notáveis homens de letras ao seu redor. O crítico do grau zero ignorou o projeto literário mais representativo da “Forma-Objeto” e o mais insólito dos processos de “concreção” da escritura. O cultor do Neutro desconsiderou o poeta que _ na melhor versão pirrônica _se recusava a ter razão.

Quem percorrer o índice onomástico das Oeuvres Complètes de Barthes encontrará aí dez remissões a Ponge. Ela é evocado três vezes em Essais critiques: na primeira vez, a propósito da “literatura objetiva”, mas centrando fogo em Robbe-Grillet, que é “mais experimentalista”; na segunda, a propósito dos temários da revista Tel Quel, de que ele é só um dos nomes; na terceira, a propósito de autores que contam, mas Jean Genet parece contar mais, já que, na pequena relação de nomes que Barthes estabelece aí, apenas o nome de Genet é acompanhado do adjetivo “admirável”. Depois disso, voltamos a encontrar referências a Ponge em entrevistas dadas por Barthes ao longo dos anos 1970, como aquela aqui já mencionada, ocasiões estas em que a iniciativa de citá-lo parte dos entrevistadores, mais que de Barthes. E, ainda, comparecendo entre parêntesis, num dos Fragmentos de um discurso amoroso e, sempre rapidamente, no seu prefácio ao Dicionário Hachette, texto em que lembra a comum paixão de Mallarmé e Ponge pelos dicionários.

Em nenhuma dessas ocasiões ele brilha pela presença. Não obstante, é dono do mais notável chosier da literatura francesa, quando o nouveau roman entra em cena, chamando a atenção de Barthes. Alguém não apenas decidido a visar o mundo exterior _ esse “mundo mudo” que os homens abafam com a sua tagarelice, dirá _ , mas a baixar a voz da poesia, para lhe dar o lugar que os poetas lhe roubam. Como programa aqui: “Não podemos senão aumentar o mais possível o fosso que, nos separando não só dos literatos em geral, mas da sociedade humana, nos mantém perto desse mundo mudo de que somos aqui, um pouco, como os representantes (ou os reféns)”.

(Trechos iniciais do ensaio O poeta e o crítico: silêncio de Barthes sobre Francis Ponge, de Leda Tenório da Mota. Leia o texto integral na edição de outubro da Zunái.)

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