quinta-feira, 10 de junho de 2010

UMA CONVERSA COM WILSON BUENO








Sua prosa utiliza recursos do texto poético, como os jogos sonoros, imagens de alto impacto, invenções de linguagem, resultando em esmeraldas vivas. Qual é a fronteira entre prosa e poesia?


Bueno — Tudo é a arte da poética, a meu ver. Escrevo assim, sempre escrevi assim. Não sei escrever sem ser íntimo. A prosa retém a poesia e é por ela gerada, num processo que aspira, antes de tudo, a ser livre. Acho que a literatura pode ser o máximo de liberdade que desfrutamos sobre a Terra — e eu quero amar o amor da escrita, o gozo epifânico de sua irradiação. Eu não consigo escrever dividido, amarrado pelo cânone e pela norma. Ora, se aquilo ali é o meu mais exasperado espaço de liberdade, é nele que devo me pôr a vigir. E tudo é a poesia das coisas. Viver já é um ato poético em si, para lembrar Hölderlin. E, dos atos poéticos, o que, convenhamos, requer de nós mais coragem, bravura, heroísmo – chame do que se quiser chamar ao desassombro. Indispensável para que sobrevivamos à perplexidade de nos flagrarmos vivos.

Em várias de suas novelas, há citações da língua e do imaginário guarani, não raro mesclados ou transfigurados por sua própria criação fabulatória. Quando começou o seu interesse pelas culturas dos índios? Você é um estudioso do folclore das nações indígenas?

Bueno — Não, não me considero um expert indigenista, digamos assim. Minha curiosidade com relação ao tema às vezes penso que seja anterior a mim mesmo... Nasci no sertão, aquele tempo, — e nem faz tanto tempo assim —, que o Paraná tinha sertão — a floresta virgem, a fauna nativa quase intocada. Sou bisneto de índia guarani com alemão. Imagina a mistura... Minha bisavó, (mãe de minha avó materna, esta uma bugra de olhos azuis e que comia com as mãos), foi caçada a laço no interior paulista por um germano de fuzilantes olhos azuis. Faço uma pequena homenagem a este meu bisavô em Tio Roseno e claro, bem mais evidente, à minha bisavó índia. A coisa índia está em mim quase como uma segunda pele, sou um bugre angustiado, perplexo olhando as árvores da rua, os automóveis, o trânsito vertiginoso.

Como é o seu processo criativo? Você escreve todos os dias? Elabora o enredo antes de escrever, ou desenvolve a narrativa durante o ato da escritura? Como surgem os personagens? A linguagem molda a elaboração fabulatória, ou as palavras seguem o ritmo da história?

Bueno — Curioso, penso que não escrevo nunca... Estou o tempo inteiro me culpando e me cobrando, mas estou ali escrevendo, escrevendo, escrevendo... São caderninhos, cadernões, agendas, folhas soltas, guardanapos.... E quando não estou literalmente grafando estou pensando no que grafar, como grafar, de que modo grafar. E entre uma coisa e outra estou sempre numa festa constante com as poucas pessoas que me são íntimas, esquecido de que exista a Literatura, e me culpando de que não esteja escrevendo... Sou um preguiçoso olímpico, desses que mourejam noite e dia... Mas acho que é porque encontrei um modo mais leve de exercer o ofício — vou escrevendo sem grandes pretensões a não ser a de fazer coisas que me dêem a satisfação plena de que eu esteja, quem sabe, capturando o improvável...

(Leiam a íntegra da entrevista que fiz com Wilson Bueno no site Cronópios.)

2 comentários:

  1. "capturar o improvável" - que bela definição para o ofício do poeta.

    ResponderExcluir
  2. Celso Vegro11.6.10

    Prezado prof. Claudio Daniel
    Li a entrevista na íntegra e somente depois disso dei-me conta da imensa perda para as letras brasileiras a passagem do poeta. Vou procurar conhecer melhor a obra dele, pois pelo que pensa e pronuncia, tratou-se de uma figura genial.

    ResponderExcluir