domingo, 20 de junho de 2010

UMA CONVERSA COM CLAUDIO WILLER (III)

CD: Dentro da tradição da poesia em língua portuguesa, com quais autores você sente mais afinidade?

CW: Comecemos pelos portugueses mesmo. Ah, mas como líamos Fernando Pessoa! E Sá Carneiro. Menos, mas devíamos ter lido mais, Almada Negreiros. Portugal, como tem bons poetas, os surrealistas, António Maria Lisboa, Mário Cesariny. Os de hoje, olha, Herberto Helder, que bom que saiu aqui, coloco-o em um primeiro time mundial. Dos brasileiros, meu poeta é Jorge de Lima, já falei várias vezes, que para Invenção de Orfeu ser reconhecido como monumento literário mundial, tem que ser primeiro lido e reconhecido por nós. Murilo, também. Há uma frase inteligente de Roland Barthes, em O Prazer do Texto, quando ele diz que Proust é uma matexis para ler Flaubert. Ou seja, começar pelos contemporâneos, os mais próximos, para aí remontar aos clássicos. Quanto a mim, já cheguei ao simbolismo, nesse trajeto. Em termos, também não vamos exagerar, pois houve uma primeira formação romântica, para todos nós.

CD: Você trocou cartas com Allen Ginsberg, durante o seu trabalho de tradução de poemas do autor norte-americano, reunidos na coletânea Uivo, Kaddish & Outros Poemas. Fale um pouco sobre esse diálogo.

CW: Quando se acertaram os direitos de tradução, consultei-o sobre algumas dúvidas que tinha, ele foi muito atencioso, respondeu a minhas consultas. Tenho as cartas. Depois que saiu Uivo, Kaddish & Outros poemas, mandei-lhe, e ele me mandou os livros dele que saíram desde então, inclusive essas edições da poesia reunida e diários pela Harper & Collins, com cartões para o dear translator friend. Queria trazê-lo para o Brasil, na época em que estava na Secretaria de Cultura, mas não havia mais condições, ele já estava mal de saúde.

CD: Como tradutor, além de Ginsberg, você publicou os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, Escritos de Antonin Artaud, poemas de Octavio Paz. Estes são os poetas que marcaram a sua formação literária?

CW: Os poetas, não — alguns dos poetas — tem muito mais, é claro. Dei sorte, as ocasiões em que me convidaram para traduzir algo, Lautréamont, Artaud, Ginsberg, eram autores com os quais, de algum modo, convivia, que, para mim, tiveram valor de revelação. Foi coincidência, acaso objetivo.

CD: Fale um pouco sobre o processo de criação de seus livros Dias Circulares (1976) e Jardins da Provocação (1981).

CW: Dias Circulares, quando, pela segunda vez, em 1976, o Massao Ohno enunciou o fatídico chamado, “Willer, quero te publicar!”, reuni o que tinha, poemas em prosa e alguns com versos espalhados pela página, fiz um novo manifesto, e apresentei-lhe tudo isso. Em Jardins da Provocação, há poemas temáticos, mas também escritos espontaneamente, direto, que coexistem com os em prosa, assim como no meu próximo livro, Estranhas Experiências. Há, continua havendo, notas da véspera, como as passei.
CD: Em Jardins da Provocação, você incluiu, junto com os poemas, um manifesto em que fala sobre o poder mágico da palavra poética, com o enfoque da semiologia e da teoria literária. Afinal, qual é a relação entre poesia e magia? Concorda com Huidobro, de que a poesia inaugura um mundo próprio, com sua própria fauna e flora?

CW: Concordo. A poesia produz realidade. É possível uma teoria literária aberta, incorporando a magia, o pensamento mágico. É só abrirem-se as cabeças desse pessoal, alguém realmente querer ir além do cientificismo.

CD: Você define sua poesia como lírica, no sentido de expressão do sujeito, do eu lírico, e também quanto à temática amorosa. A vocação subjetiva, herdeira da rebelião romântica, contrapõe-se à materialidade cabralina, centrada na visão objetiva das coisas. Sua opção de mergulhar no mundo interior, nos sonhos e obsessões, afastaram-no da crítica social, sátira política? Acredita ser possível conciliar o mergulho existencial com a reflexão do estar no mundo, ou concorda com Piva de que “todo ato individual é anti-social”?

CW: Concordo, sim. O que Piva diz não é antagônico com estar no mundo. E insisto: eu nunca programei como iria escrever. Lembro a frase famosa de Octavio Paz: o poeta não se serve das palavras; é o seu servidor. Crítica social, sátira, faço mais em meus ensaios. Na criação, na leitura, até na crítica, e muito, muito mesmo no ensino, é preciso recuperar a dimensão da emoção, da magia e encantamento, assim tornando-as (criação, crítica, ensino) menos assépticos, menos burocráticos. O que essa gente faz é desestimular leitores.
(CONTINUA)
P.S.: o livro Estranhas Experiências saiu em 2004, pela editora Lamparina.

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