terça-feira, 18 de maio de 2010

CRÔNICAS DE LISBOA (VI)

No dia 08 de maio, apesar da forte chuva, fui visitar o Castelo de São Jorge, localizado sobre a mais alta colina do centro histórico da cidade. Esta fortificação foi construída no século XI pelos árabes, que chamavam Lisboa de Al-Ushbuna. O castelo foi tomado pelas forças cristãs lideradas por D. Afonso Henriques em 1147, e recebeu o nome do santo de devoção dos cavaleiros medievais portugueses. Percorrer as salas, pátios e escadarias desse castelo tão impregnado de história é uma experiência que nos faz pensar na brevidade dos impérios e da ambição humana: esse local, hoje reduzido a ruínas, já foi habitado por fenícios, romanos, árabes, portugueses, ao longo de 25 séculos. Foi ali, no Paço Real, que aconteceu a recepção a Vasco da Gama, para comemorar a descoberta do caminho marítimo para as Índias; foi ali que Gil Vicente representou a sua primeira peça teatral, o Auto do Vaqueiro, para a família real portuguesa; foi ali que se travaram batalhas entre os mouros e a cristandade, que disputavam o domínio da Europa. Caminhar por corredores antes percorridos por monges e soldados, príncipes e cortesãs, prisioneiros e poetas, era como participar, simbolicamente, dos fatos históricos gravados naquele chão, naquelas torres e muralhas. Saindo do castelo, e ainda sob forte chuva, fui visitar a Catedral da Sé de Lisboa, erguida em 1150 por D. Afonso Henriques, em local onde antes havia uma mesquita. O estilo arquitetônico dessa igreja escura, de altas colunas, arcos austeros e poucos ornamentos, como o vitral em forma de rosácea, combina elementos góticos e românicos que nos falam de uma época em que o mundo era visto como um teatro demoníaco, um antro de tentações do qual deveríamos escapar pela vida virtuosa, pela prece contínua, pela modéstia e despojamento de qualquer ambição mundana ou sensualidade. É um espírito próximo ao da Contra-Reforma, mas, em sua manifestação estética, é o extremo oposto: severidade em vez de encantamento, humilhação das formas, em vez de sua vertigem alucinatória. A sensação de estar ali é um pouco sufocante. Após essa experiência, nada mais agradável do que ver a paisagem de Lisboa pelo miradouro de Santa Lúcia, caminhar pelas ruas e descobrir um restaurante indiano, onde comi um delicioso samosa, nan e um prato de carneiro com curry. O restante do dia foi dedicado a visitas a alguns museus, mas sobre isso escreverei na próxima crônica.

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