terça-feira, 4 de agosto de 2009

DIABOLUS IN POESIA

Augusto de Campos, no livro À margem da margem (São Paulo: Companhia das Letras, 1989), publicou um interessante ensaio sobre o poeta italiano Giuseppe Gioachino Belli (1791-1863), com o título de Belli, diabolus in poesia. Esse poeta incomum, escreve Augusto, deixou “2279 sonetos que afrontavam todas as convenções do seu tempo. Escritas entre 1828 e 1849, em linguagem dialetal – o romanesco – essas composições haviam sido repudiadas pelo autor, ao estipular em cláusula testamentária que fossem queimadas. Felizmente, tal determinação não foi cumprida pelo único descendente do poeta. (...) Utilizando as corruptelas, os ‘lapsus linguae’ e a gíria viva do populacho do Trastevere, o poeta delineia um grande painel, uma ‘commedia’ escatológica de Roma, que vai da ironia à sátira, da crítica de costumes à mais cruel vivissecção do ser humano”. O ensaio todo, acompanhado de duas traduções, é bem interessante e vale a pena ler. Em seu livro mais recente, Malcriados recriados — Sonetário sanitário (São Paulo: Demônio Negro, 2009), Glauco Mattoso reúne, ao lado de suas composições mais recentes, nada menos que 42 traduções de sonetos de Belli, acompanhadas pelos textos originais. Como não podia deixar de ser, Glauco escolheu as peças mais picantes do autor italiano, como esta, abaixo:

SONETO PARA O TRATO DUM TRATANTE

A filha do alfaiate faz favor
ao padre: ir passar roupa lhe promete.
Cumprido o trato, ao menos um boquete
o padre pede à moça, sem pudor.

Moedas lhe oferece se ela for
gentil: um monte delas! E repete:
“São suas, todas!” Ela aceita: mete
na boca a pica e prova-lhe o sabor.

Após gozar, e tendo a jovem puta
cuspido a porra, o padre um níquel só
não mão lhe deposita. Ela reluta:

“Não eram todas minhas? Tenha dó!”
Responde ele: “Serão, sim! Não discuta!
Serão, uma por vez, é claro! Tó!”

Tradução: Glauco Mattoso

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