segunda-feira, 13 de abril de 2009

UM POEMA DE RODRIGO GARCIA LOPES

M

1

Improvisação pessoal.
Essa noite sou um jazzman
com dentes de ouro & swing
pra raiar o dia.
Troco a mobília de dentro, só,
pra ver como ficamos.
Táxis negros dão rasantes
sobre suicidas.
Sou apenas um fantasma clandestino
procurando o que beber
nessa noite fria.
Amo a lua, submisso,
embrulhado num lençol chinês.
Spyder-man tecendo
essa novela de personagens
tão confusas.
Desarrumo tudo.
Paciente,
espero os ilustres convidados que, eu sei,
não vão chegar.


2

Descendo pelas escadas de emergência
do maior edifício do mundo.
Escuro.
A idiota que eu amo está lá em cima,
dormindo, suando frio,
morrendo um pouco. Pego o fone.
O silêncio com seu cínico sorriso.
Não importa: minhas mãos
negras, negras,
tremem como coelhos.
Digo: “É mesmo impossível sentir frio
com esses cobertores alemães
”.
Kris quebrou a perna,
o indiano da quitanda teve um filho
o resto são arrependimentos
terríveis de serem contados.
(Mas me amarro nos mastros
de alguém que é um naufrágio.
Destroços de ondas que a corrente leva,
Orgulhosa.)


3

Misteriosas vozes escapam
do esgoto.
Bêbados brigam por uísque.
Ratos fogem, nojo.
Um rádio toca Vivaldi.
O casal ao lado espanca-se,
em silêncio.

Tomado pelo pânico
tropeço em gatos amarelos
perdido em minha própria obsessão.


4

Ouço passos apressados
a mil degraus.
Vem subindo alguém,
Como uma febre, alguém que se quer muito.
A Loucura arromba a porta.
Revira os olhos. Vasculha a sala.
Vidraças, aos gritos, se atiram lá de cima.

Com um canivete enterrado nas costas
Ainda disco o último número.

(Poema do livro Solarium. São Paulo: Iluminuras, 1994)

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